Já vi gente ganhar e não levar. Já vi espertalhão se dar bem. Por outro lado, já vi a justiça sendo plena e efetiva. Já vi mãe dizer “ninguém tira filho de uma mãe” e já fui com o pai buscar criança em situação de risco. Já quase apanhei em busca e apreensão de menor e já me senti justiceira penhorando veículo de quem devia há vinte anos. Já ouvi arrogantes dizendo “eu não tenho nada no nome” e essa mesma pessoa me ligar cinco vezes em um mesmo dia para eu aceitar uma proposta de acordo. Já rezei para Deus ajudar clientes em situações difíceis e já processei clientes que tentaram me dar o famoso “calote”. Já chorei algumas vezes, mas também já gritei de alegria em diversas ocasiões. Já passei a semana toda atrás da mesa fazendo trabalho burocrático e já tive semanas sem tempo nem mesmo para retornar uma ligação porque não parei no escritório. Já guinchei motos e já saí dirigindo veículos como pagamento de dívidas. Já vi a mesma pessoa ser o “melhor pai do mundo” em frente ao juiz e passar anos sem ver o rosto do próprio filho. Já vi gente dando mais do que a lei manda, mas já tive que executar outros tantos que não contribuem para o sustento da própria prole. Já li laudos psicossociais de arrepiar a alma. Já sugeri a clientes irem ao psicólogo porque só a lei não era suficiente. Já me comovi com alguns casos e percebi como já fui enganada em outros. Sim, porque advogado não tem bola de cristal para saber certas verdades que só aparecem ao longo do tempo. Já peguei casos achando que o dinheiro compensava e depois recusei casos idênticos por saber que não há dinheiro no mundo que pague meu sossego. Já vi processos durarem décadas e já vi alguns acabarem em poucos meses. Já vi juiz mostrar que se importa com o caso e fundamentar decisões irretocáveis e já vi sentenças que dão vontade de chorar, por serem um verdadeiro descaso com a justiça. Já ganhei processos porque o réu não contestou e já vi processos se arrastarem por anos devido a tantos recursos interpostos pela parte contrária. Já tive casos idênticos com sentenças absurdamente distintas. Já vi indenizações de valores idênticos serem destinadas para reparar pessoas com dores incomparáveis. Já me coloquei no lugar de tanta gente. Já sofri juntamente com o cliente. Já perdi noites de sono e já trabalhei dezoito horas seguidas. Já saí de audiências completamente realizada e já ouvi testemunhas que acabaram com o caso em cinco minutos. Já vi gente mentir tão bem que só pude enxergar a verdade quando vi filmagens mostrando o contrário. Também já vi gente que sabe a verdade se enrolando na frente do juiz e perdendo o “fio da meada”. Já entramos com processos para pagar e saímos com valores de multas inimagináveis. Já me preparei por dias para falar com um cliente, mas também já liguei para outros para contar o resultado imediatamente ao ler a sentença. Já vi uma indenização ir do zero a cem mil e já vi outra sendo exatamente o contrário. Já vi gente merecidamente tomar multa por litigância de má-fé e já vi outros tantos se safarem de algo errado que fizeram. Já vi gente “virar a cara” para mim porque fui advogada da parte contrária. Já representei funcionários públicos que me desrespeitaram ou que não exerceram sua função e já agradeci imensamente outros tantos pela gentileza, presteza e educação. Já liguei para colegas advogados contando que descobri o bem de um devedor comum, mas já fui enganada por outros advogados. Já fui ameaçada, mas também abraçada. Já atendi pessoas milionárias e já doei roupa para clientes que não tinham o que vestir. Já vi gente sendo discriminada porque é pobre, porque é negro. E já fui elogiada por tratar todos igualmente. Já fiz justiça para muita gente injustiçada. Porém, já vi indenizações altíssimas serem vazias perto da perda da pessoa. Já aceitei acordos trabalhistas desleais porque meu cliente não tinha “pão” para servir no jantar aos seus filhos e porque precisava do dinheiro imediatamente. Já vi juiz se comovendo e chorando em audiência, como também já vi outros destratando as pessoas. Já vi clientes morrerem sem ver a justiça concretizada. Já vi “o mundo dar voltas”. Já abandonei áreas do direito porque percebi que “não eram para mim”. Já me direcionei para o que me traz satisfação e felicidade, para o que me torna uma pessoa melhor. Enfim, a advocacia vai mesmo do paraíso ao abismo e é difícil ter sanidade mental para lidar com tantas vidas, afinal não se trata de só mais um processo, mas da responsabilidade de tentar afagar a alma de quem sofreu, seja de que forma for. Faço o melhor a cada dia, mas há dias em que me sinto no paraíso e dias em que me vejo à beira do abismo, pensando em como solucionar certas coisas. Hoje, a única forma de esvaziar a minha mente foi transcrevendo tudo o que tenho pensado. E para as injustiças que aqui expus, fica a reflexão de que a justiça do homem pode ser falha, mas da Justiça Divina ninguém escapa.
Descalvado, 20 de julho de 2020.
THAIS PEREIRA DA COSTA
Advogada quase sempre realizada